Vi dois amigos.
Um usava roupas velhas.
Seu cheiro não agradava.
Cheiro de suado,
Cheiro de cachorro molhado.
Barba por fazer.
Como fazer?
Não tinha nada a fazer.
Coluna encurvada,
Pele rachada.
Sem dentes para sorrir,
Mas não se importava.
Unhas pretas,
Se confundiam com o asfalto.
Olhos fundos,
Se confundiam com fundo de sua garrafa.
Sujeira era segunda pele,
Ou primeira?
Vivia ao ‘Deus dará’,
E Ele sempre dava.
Vivia o dia,
Como se não houvesse o dia todo,
E assim era todo dia.
O outro amigo,
Não tinha roupas.
Cheiro ruim,
Cheiro de álcool.
Era dependente de seu amigo,
Mas não se importava.
Sempre o acompanhava.
Não falava.
Comia quando seu amigo lhe dava,
E ele sempre dava.
Quando não dava,
Era porque não dava,
E não se importava.
E quando não dava,
A fome alimentava aquela amizade.
Dizem que ele não tem raça.
O chamam apenas de vira-lata.
Todo dia era apenas mais um dia,
E assim era todo dia.
As pessoas olhavam,
Não respiravam,
E admiravam aquela amizade.
Chegar perto?
Nem pensar.
Eram companheiros,
Eram parceiros.
Compartilhavam quase tudo:
Papelão como edredom,
Chão como colchão,
Tigela para a refeição,
As pulgas e o pão.
Com exceção,
Do cigarro e do garrafão.
Entre latidos e palavras,
Um conversava com o outro,
Um entendia o outro.
Abraços entre um e outro,
E usavam o cheiro de um e do outro.
Não tinham nada a oferecer ao outro.
Tinham apenas um ao outro.
Antes de ter amigo,
É necessário ser amigo.
Novembro 2010
Entre latidos e palavras,
Um conversava com o outro,
Um entendia o outro.
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