quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dois amigos

Vi dois amigos.
Um usava roupas velhas.
Seu cheiro não agradava.
Cheiro de suado,
Cheiro de cachorro molhado.
Barba por fazer.
Como fazer?
Não tinha nada a fazer.
Coluna encurvada,
Pele rachada.
Sem dentes para sorrir,
Mas não se importava.
Unhas pretas,
Se confundiam com o asfalto.
  Olhos fundos,
  Se confundiam com fundo de sua garrafa.
Sujeira era segunda pele,
Ou primeira?
Vivia ao ‘Deus dará’,
E Ele sempre dava.
Vivia o dia,
Como se não houvesse o dia todo,
E assim era todo dia.

O outro amigo,
Não tinha roupas.
  Cheiro ruim,
  Cheiro de álcool.
Era dependente de seu amigo,
Mas não se importava.
Sempre o acompanhava.
Não falava.
Comia quando seu amigo lhe dava,
E ele sempre dava.
Quando não dava,
Era porque não dava,
E não se importava.
  E quando não dava,
  A fome alimentava aquela amizade.
Dizem que ele não tem raça.
O chamam apenas de vira-lata.
Todo dia era apenas mais um dia,
E assim era todo dia.

As pessoas olhavam,
Não respiravam,
E admiravam aquela amizade.
Chegar perto?
Nem pensar.
Eram companheiros,
Eram parceiros.
Compartilhavam quase tudo:
  Papelão como edredom,
  Chão como colchão,
  Tigela para a refeição,
  As pulgas e o pão.
Com exceção,
Do cigarro e do garrafão.

Entre latidos e palavras,
Um conversava com o outro,
Um entendia o outro.
  Abraços entre um e outro,
  E usavam o cheiro de um e do outro.
Não tinham nada a oferecer ao outro.
Tinham apenas um ao outro.
Antes de ter amigo,
É necessário ser amigo.
                                                          Novembro 2010

Entre latidos e palavras,
Um conversava com o outro,
Um entendia o outro.