quarta-feira, 4 de maio de 2022

Crônicas de um sem-teto

Não sou sem-teto
Meu teto é o céu estrelado
Um céu esfumaçado
Nem sempre enluarado
Mas me serve de teto
Esse teto é bem-vindo
Enquanto estou dormindo
 
Vou de carro em carro
Procurar um agrado
Um regalo
Talvez uns trocados
Um real furado
Pra comprar um salgado
Ou um prato
De arroz e feijão requentado
 
Também vejo malabares
Jogando coisas pelos ares
Pessoas vendem doces
Driblando seus amargores
Esse é o nosso palco
Onde somos mais palhaços
Do que gente
 
Confesso e não me deixa contente
Por vezes a gente mente
Mas o que ganho
É pra aguardente
Serve pra acalmar a dor latente
Num peito indigente
 
Faça segunda ou faça chuva
Estou lá na minha labuta
Na vida dura
Aliás minha vida
É colorida de cinza
Minha vida
Vale uma esquina
Olho pra cima
Nem consigo uma rima
 
O asfalto é meu dia a dia
O semáforo me olha
E nem se incomoda
E me avisa: não demora
Pelos carros sou ignorado
De faróis apagados
Vidros fechados
Todos filmados
Hoje minha fome
Continua a mesma de ontem
 
Assim foi o dia
E nem todo dia
Se ganha o dia
Dia sim
Dia não
A gente ganha o pão

Maio 2022