sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A doçura de um rio

Você não se lembra de mim
Mas eu conheço suas águas
Desde outrora
Tu eras mais doce do que agora
Quanto amargo
Agora pela TV eu me deparo

Por favor, não contamines
Suas águas já descoradas
Olhando assim pra Mariana
Ela também sofre desta pragana
Vendo toda essa matança

Você era doce da cor do barro
Você era marrom de caramelo
Não conheci teus pés de jenipapo
Nem o coaxar dos teus sapos
As onças malhadas?
Nunca as vi nem pintadas
Mas em ti eu já molhei meus pés
E por ti eu fui bem recebido
Apesar de eu ser um gringo
Eu era da cidade grande
E fui te conhecer gigante

Ah, mas isso são histórias idas
Coisas das antigas
Muita gente ainda era viva
E agora você está morrendo
Os peixes já morreram
Mas nós vemos tudo isso
Sem poder morrer também

A gente puxa uma cadeira
Senta à sua beira
Se ajeita em frente da TV
E vê tudo isso acontecer
Em horário nobre ao anoitecer

A gente não fala nada
Só eles falam
Enquanto a gente se cala
Eles são dotô
Pra gente é jogo de horror
Eles são gente de estudo
Pra gente é tudo absurdo
Eles são os sabe-tudo
Pra gente é coisa do fim do mundo

O que a gente quer
É o Rio Doce
Correr nas veias
Das cidades mineiras
Descansar suas águas
Sob as sombras e os pés da Ibituruna
Sua beleza distrair os parapentes
Enquanto eles flutuam nas alturas
Ver o nosso rio
Saltar as cachoeiras
Seguir suas corredeiras
Se orgulhar de sua largura
Vê-lo esquecer dessa amargura
E finalmente retomar a sua doçura
E voltar a ser doce
Nosso Rio Doce
Dezembro 2015

sábado, 5 de dezembro de 2015

No cair da moda

A costureira tem em seu ateliê
Coisas nada démodé
Vestidos longos e curtos
De bolinha e florzinha
De babado e envesado
Todos ali juntinhos e desunidos
E a artesã mostra orgulhosa
Seu modelo e obra prima
E suas amigas
Vaidosas visitas
A-do-ram e cobiçam aquele modelo
Sonham e perdem o sono
E iguais peruas vidradas
Se veem emolduradas
Naquele perfeito modelo

E quem se atenta aos sentimentos
Do vestido modelo?
Ah, pobre sujeito!
Sente um aperto danado
Quando entra em corpos 54
É muito número pra pouco pano
É zíper arroxado e estourado
É botão voando pelos ares
Parece bala perdida no subúrbio
Que entra num ouvido
E sai pelo outro vestido
Ufa, quanto glamour!
Mas não passa de um frouxo
Quando o número é pouco
E o pano se faz demais

Enquanto isso
Os outros vestidos
Todos azuis e vermelhos
Verdes e roxos de inveja
Eles deveriam
Fazer e viver
E ser igual ao botão
E cuidar de suas casas

Mas o vestido modelo
Sente um aperto no coração
E não aguenta mais pressão
E nesse sentido
Se sente despido
E passa a ser apenas mais um vestido

A fita métrica pode não ser uma trena
Mas é justa
E mede aqui e mede ali
Não deixa passar nada
Não passa um centímetro despercebido
Mas ela sabe dos sentimentos
E dos medos e receios
Do vestido modelo

Ser modelo
Não é pra qualquer um
E não é qualquer um

Que pode ser modelo

E agora ele se desmantela
E se desmodela
E é só mais um pedaço de pano
Pendurado num canto
Ficou aos retalhos

Enquanto isso
Aquela matilha de vestidos
Não são modelos de nada
Como se pendurando num cabide
Se uniram e conseguiram
A derrubada de mais um modelo
Essa foi mais desastrosa
Do que roupa que cai de moda

Quanto desgosto
Por ter sido deposto
Que isso sirva de modelo
Para não sermos modelados
Isso é perigoso
E dá muito pano pra manga

Como diz um velho alfaiate:
Antes ser um tergal de qualidade
Do que um vestido fino
Mas por dentro
Um forro todo aos remendos
Com conteúdo de farrapos
Aí nem traça encara
Dezembro 2015


Como se pendurando num cabide