quinta-feira, 14 de abril de 2022

Rádio calado

Esse rádio
Já esteve na moda
Aliás, muita moda de viola
Música caipira da roça
Nada desse tal sertanejo
Que hoje por aí eu vejo
 
Meu pai acordava cedo
Deixava o café coando
E o rádio já ia falando
Tocava música o dia todo
Dava notícia de tudo e de todos
Ondas médias AM
Ainda não tinha FM
Mas ele era todo eclético
Tocava Zé Béttio
Roberto Carlos
Até Silvio Santos no rádio
No programa diário
Só calava
Quando a energia secava
 
Era de manhã até de noite
De segunda a dezembro
O ano inteiro
Eu já estava acostumado
Com o seu som alto
Com o seu tom encorpado
Até futebol ele narrou
Gritou muitos gols
 
Esse rádio tinha história
E não era pra ninguém dormir
Umas eram pra chorar
Outras eram pra rir
Uns nasceram
Outros voltaram
E muitos se foram
Mas ele permanece
Nem por isso se enaltece
 
Hoje ele anda calado
Tipo aposentado
Está todo restaurado
Corpo amadeirado
Marrom lustrado
Fica ali no seu canto
Não fala como outrora
Não diz o tempo nem a hora
Ao seu lado
Descansa um retrato
Cansado e amarelado
Você me ajuda a lembrar
Do pai e da mãe no passado
 
Querido amigo rádio
Obrigado
Por sempre ter estado
Do nosso lado
Calando
Quando tinha que calar
Mas falando
Quando tinha que falar
Abril 2022
 
Hoje ele anda calado
Tipo aposentado


quinta-feira, 7 de abril de 2022

Vinil a 1000

Acho que saí antes da hora
E fui empurrado para fora
Não me receberam com palmas
Cheguei com palmadas
Eu aprendia engatinhar
Mas já fui mandado andar
Mal estava andando
E já fui pro primeiro ano
A vida voava
E eu já estava na oitava
Eu estava trabalhando
E de novo me vi no primeiro ano
Minha vida rodava igual vinil
Aquele tempo passava a mil
Sem tempo pra me preparar
Era necessário apenas continuar

E por um momento
De repente chegou meu casamento
A Cris chegou
Por que demorou?
Ela com sorriso de 20
Eu com olhar 23
Eu estava aprendendo a ser filho
Agora já era marido
No dia seguinte eu era pai
O calendário gritava 91
Nem deu tempo de perguntar “why?”
Mal sabia o que era ser brasileiro
E caí em solo estrangeiro
Quatro anos
Passavam igual vento

Era 94 e chegou dezembro
Ali estava meu rebento
Nem lhe dei um acalento
E eles se foram em setembro
Logo depois eu voltava
Para quem se importava
Em 98 a vida ficava mais dura
Mesmo assim nasceu o caçula
Me virei e dei uma olhada
Minha família estava formada

A vida não dá tempo pra esperar
Não dá pra se preparar
Só dá pra continuar
Parece que o relógio está adiantado
E eu sempre atrasado
Tenho lembranças
Ainda tento ser criança
Quando me chamam de adulto
Mais um fio deixa de ser escuro
Essa é a realidade das coisas
Assim caminha minha vida
Até quando aquele dia chegar
Quando o tempo não vai faltar

Abril 2022

Minha vida rodava igual vinil






Café novo

Quando eu era criança e minha mãe ia fazer café, eu pedia um “café novo”. Esse café era o primeiro café que era coado. Eu, na minha inocência de criança, o chamava de “café novo”. Minha mãe simplesmente atendia meu pedido, com muito amor, claro.
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Eu olhava a chaleira
Enquanto a água caia
Toda cristalina
Se derramava
E se misturava ao pó
E não mais estavam sós
A água rodopiava
E se misturavam cada vez mais
O coador tentava conter
E o líquido descia
Como conta gotas escorria
A fumaça flutuava
Eita viagem de graça
Era cheiro de criança
E eu voltava à infância
Cheiro de café
Adoçado com amor de mãe
Tempo bom no ar
Que acabou de voltar
 
Eu pedia
E só a mãe atendia
Eu pedia o “café novo”
E ela sabia
E ela atendia
Era a primeira medida
Só pra mim na xícara
O primeiro gole era meu
Isso já era uma benção de Deus
 
Eu de cabeça erguida
Olhava minha mãe querida
Era ali, perto da pia
Esperando o presente
Que vinha de cima
Café na barra da saia
Sentimento puro
De lugar mais seguro do mundo
 
Volto da viagem no tempo
E o tempo deixou marcas em meu rosto
Mas não reclamo nenhum pouco
Pois ainda sinto o gosto
Daquele café novo
                                                    Abril 2022




Studio

O elevador me convidou
E foi me levando pra cima
Fui subindo na vida
E que bela vista
O 18º andar
Demorou um prédio todo pra chegar
 
A porta branca
Cuida e tranca
Daquela sala linda
Em plena Curitiba
Aquele studio inspira vida
É uma beleza
Com um quê de leveza
 
Verde suavizado
Rosa delicado
Na parede tudo emoldurado
O branco é todo leve
Parece branco de branca de neve
Ah, que cores da hora
Te fazem esquecer
Do mundo cinza lá fora
 
A cortina tipo linho fino
Tem os pés no chão
Mas o teto é o limite
As plantas acham normal
Viver naquele habitat natural
 
O Rodolpho suou e trabalhou
De eletricista a engenheiro
Pra deixar tudo perfeito
Ali ele me serviu um espresso
Numa xícara da cor daquele lugar
Tudo combinando e ornando
Isso só se vê de vez em quando
Bom gosto
Que dá gosto
 
É um belo lugar
De gente bonita se encontrar
As pessoas já chegam belas
E saem felizes
É beleza que se vê no rosto
Todas são modelos
Fácil de se encontrar pelos espelhos
O brilho dos lábios na verdade são
Sorridos do fundo do coração
 
Vou querer voltar lá
Só pra ficar ali
A gente ama
Estar com a Amanda
No Studio da Amanda

                                    Janeiro 2022


É um belo lugar
De gente bonita se encontrar