sábado, 4 de dezembro de 2010

Parar

É hora de parar,
Pra atravessar a rua,
Pra olhar a Lua,
Pra olhar os outros.
Pra marcar encontros,
Ou corrigir desencontros.
Pra dar de ombros,
Ou oferecer o ombro.
Pra espantar os bichos medonhos,
Ou pra encarar os monstros.
Parar pra tomar um café,
Pra tomar uma cerveja,
Pra tomar uma atitude.
Pra pensar em si,
Ou pra parar de pensar em si.

Sempre temos momentos assim.
É momento para si.
Parar é necessário,
Ou o contrário.
É como parar o carro,
Pra depois ir.
É como parar de ir,
Pra depois conseguir ir.
  Ir buscar o que deixou.
Ou deixar de buscar,
E ver que já encontrou.
Ir continuando,
Quando talvez,
Não era possível.
Parar pra ir até lá,
E finalmente ver,
Que já se está lá,
Que não precisa ir além.
Ou ir além do que era possível ir.
Ou voltar quando se foi muito além,
Em busca de algo ou alguém,
Ou em busca de você mesmo.
Parar enquanto é tempo,
Enquanto se tem tempo.
E sempre é tempo para parar!

É hora de parar.
Parar tudo pra poder parar,
Antes que tudo se acabe sem parar.
Parar pra fechar os olhos,
E abrir a mente.
Parar de pensar,
Que não é possível parar!
Parar pra arrumar a casa,
Antes que a casa caia.

Você já parou?
Pare enquanto ainda é possível parar.
Talvez esteja indo muito rápido.
Muitas coisas,
Ou pequenas coisas,
Só se percebe quando se pára.
                                              Dezembro 2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dois amigos

Vi dois amigos.
Um usava roupas velhas.
Seu cheiro não agradava.
Cheiro de suado,
Cheiro de cachorro molhado.
Barba por fazer.
Como fazer?
Não tinha nada a fazer.
Coluna encurvada,
Pele rachada.
Sem dentes para sorrir,
Mas não se importava.
Unhas pretas,
Se confundiam com o asfalto.
  Olhos fundos,
  Se confundiam com fundo de sua garrafa.
Sujeira era segunda pele,
Ou primeira?
Vivia ao ‘Deus dará’,
E Ele sempre dava.
Vivia o dia,
Como se não houvesse o dia todo,
E assim era todo dia.

O outro amigo,
Não tinha roupas.
  Cheiro ruim,
  Cheiro de álcool.
Era dependente de seu amigo,
Mas não se importava.
Sempre o acompanhava.
Não falava.
Comia quando seu amigo lhe dava,
E ele sempre dava.
Quando não dava,
Era porque não dava,
E não se importava.
  E quando não dava,
  A fome alimentava aquela amizade.
Dizem que ele não tem raça.
O chamam apenas de vira-lata.
Todo dia era apenas mais um dia,
E assim era todo dia.

As pessoas olhavam,
Não respiravam,
E admiravam aquela amizade.
Chegar perto?
Nem pensar.
Eram companheiros,
Eram parceiros.
Compartilhavam quase tudo:
  Papelão como edredom,
  Chão como colchão,
  Tigela para a refeição,
  As pulgas e o pão.
Com exceção,
Do cigarro e do garrafão.

Entre latidos e palavras,
Um conversava com o outro,
Um entendia o outro.
  Abraços entre um e outro,
  E usavam o cheiro de um e do outro.
Não tinham nada a oferecer ao outro.
Tinham apenas um ao outro.
Antes de ter amigo,
É necessário ser amigo.
                                                          Novembro 2010

Entre latidos e palavras,
Um conversava com o outro,
Um entendia o outro.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Vitrines

Por onde ando,
Vejo vitrines.
Um rodinho desliza,
E a vitrine está limpa.
E posso observá-la.
Ou será que ela me observa?
Vidros ou vidraças,
Outdoor ou panfleto,
Só isso separa os dois lados:
Os de dentro,
Os de fora.
Onde você está?
Onde você quer estar?

Vitrines,
Verdadeiros crimes.
Vitrinistas, artistas,
Cativam os consumistas.
Sedutores,
Seduzem os consumidores.
Pecadores,
Engodam os gastadores.
Vitrines bonitas.
Vitrines chamativas.
Vitrines abusivas.
Vitrines apelativas.
Todas elas te convidam,
E te enfeitiçam,
E te contaminam.
Luzes da vitrine,
Luzes em você.
Quantos tipos.
Cada tipo!
Mulheres olham vitrine,
Como se fosse telecine.
Gente em frente da vitrine,
Momento sublime.
Agradecem seus olhos.
Parece cão vendo ‘TV’.

Vitrines para mulher,
Vitrines para homem,
Vitrines para crianças,
Vitrines para gordos,
Vitrines para bolos,
Vitrines para mortos.

Te atraem com as cores,
Te hipnotizam com luzes,
Te transportam com as fragrâncias,
Apelam para os ouvidos,
Embalam com funk,
Balançam com pop,
Sentimentalizam com gospel.

Melodias ou melodramas;
Parece luta de vale-tudo;
Vale-tudo nessa luta.
E lhe vendem o que quiserem,
E o que você não quer,
E o que você não precisa,
E o que você não gosta,
E o que você não pode.
Pouco importa.
O momento é agora.
Mulheres de vitrine,
Vitrine para mulheres,
Todas te convidam,
Todas te seduzem.
Você é madame,
Você é senhor dos senhores.
Deixe o que você tem,
Deixe o que você não tem.
Se você não tem, deixe pra lá.
Vá lá, deixe-se envitrinar...
Ou endividar.
O prazer acabou,
Você é dispensável.
O próximo é o novo senhor,
A próxima é a nova madame.
Em casa você relaxa,
E liga a outra ‘vitrine’.
Tudo começa de novo.
‘Vitrinistas’ sorriem,
Boa noite senhor,
Boa noite madame.
E respondemos: Boa noite!
                                      Outubro 2010

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Bueiro do mundo

Bueiro, lugar sujo.
O que anda ali?
Baratas,
Ratos,
Bichos.
Ninguém põe a mão.
Muito lixo,
Sempre entupido.
Cheiro ruim,
Lugar esquecido,
Lugar obscuro,
Lugar escuro,
Lugar cinza,
Lugar sem vida,
Água sem cor.
Bueiro imundo,
Lembra-me o mundo.

Ontem vi um bueiro.
Olhei o bueiro.
Era o bueiro.
Queria por a mão,
Queria tirar foto,
Da escuridão,
Da grade do bueiro,
Do rachado do asfalto.
Uma flor nasceu,
Solitária e bela.
O caule surgiu,
Da escuridão,
Lá de dentro.
Cor vermelha.
Contraste com escuro.
Nem tudo é sujo.
Lugar com vida,
Naquele bueiro imundo,
Lembrei-me do mundo.
                                          Setembro 2010


Uma flor nasceu,
Solitária e bela.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Minha casa

Um tijolo e mais um tijolo.
Talvez eu pareça um tolo.
Mas me lembro,
Apesar de tanto tempo.
Naquele distante bairro,
Onde os pés tinham cor de barro.
Onde a TV não busca problemas,
Melhor mesmo é filmar Moemas.
Vendi o carro, mas não tinha o montante,
Precisei financiar o restante.
Comprei metade de um lote,
Maioria dos brasileiros não tem tal sorte.
Meu cunhado a outra metade comprou,
Assim nosso sonho se concretou.
Nosso terreno foi divido,
Sonhos e esperanças unidos.
Na fundação trabalhou o ‘seu’ Vicente,
O Beto era o seu servente.
A terra nós rasgamos,
E de cimento a enchemos.
Sonhos e esperanças misturamos,
Foi o alicerce de nossos sentimentos.
Lembro do Zezinho, meu cunhado.
Sujeito honesto e pacato.
Na feira ele trabalhava.
De tarde, na obra ele ajudava.
Hoje me lembro e falo,
Todo dia ele enchia as mãos de calo.
Coisas sobre ele posso falar,
Pena que ainda não está aqui pra comprovar.
Quando o calor esquentava,
Aí a fome apertava.
De longe eu via a figura delas,
A Cris e a Ivone trazendo as panelas.
O Luiz não tinha parentesco comigo,
Mas se mostrou ser um grande amigo.
O número da casa vamos dar,
Qual número seria, dezena ou milhar?
Eu e o Zezinho, o número 51 escolhemos.
O motivo nós não diremos.
A primeira laje foi concretada.
Lembro daquela tarde ensolarada.
Foi muito concreto, cimento e limão,
Ferragens, garrafas e carvão.
Essa mistura boa coisa não daria,
Pobre de meu Fusca e sua lataria.
Na construção fomos arquitetos e engenheiros.
Também fomos serventes e pedreiros.
Na falta d’água o suor molhava a massa,
Tudo isso para erguer a nossa casa.
Hoje preciso chorar e não consigo,
Lembro que lágrimas escorriam até o ultimo pingo.
Quem lê talvez não entenda nada.
É só pisar naquela terra ainda encharcada.
Telhado posto e paredes erguidas,
Muitos cheques e contas negativas.
Entre aquelas paredes muitos foram recebidos,
Alegres, tristes ou deprimidos.
Recebemos a todos sem receio,
Alguns nem estão mais em nosso meio.
Já hospedamos personalidades,
Mineiros, paranaenses e celebridades.
Mato-grossenses, chilenos, americanos.
Toda sorte de gente hospedamos.
Passo a meditar em minha casa no futuro,
Quando poderei derrubar o muro.
E uma grande multidão poderá ir,
E uma grande multidão poderá vir.
Minha casa não será mais minha casa,
Minha casa será a nossa casa.
Não te conheço, mas será bem recebido,
Não te conheço, mas será meu amigo.

                                                           Setembro 2010

Quando aqui cheguei


Cheguei em dezembro,
Parece ontem, me lembro.
Era pesada a mala,
Era pesada a carga.
Rodoviária vazia,
Outra idéia eu fazia.
O sol era forte,
Vim tentar a sorte.
Deixei minha família,
Minha casa ficou vazia.
Vim pra Santa Catarina,
A gente nem acredita.
São Paulo eu deixei,
Blumenau, eu cheguei.
Da cidade grande fugi,
Refugiei-me aqui.
Deixei cidade grande,
Sentia-me insignificante.
Vim pra cidade pequena,
E me sentia pequeno.
Disseram: ‘Você é corajoso’.
Na verdade diriam: ‘Você é louco’.
Era necessário,
Estava desempregado.
Era uma quinta,
Emprego eu já tinha.
Repito: a família deixei,
Sozinho, cá fiquei.
Dormi em hotel e no chão,
Ganhei um colchão.
Tantas coisas passadas,
Essa é mais uma etapa.
A sombra me acompanhava,
A saudade me abraçava.
Lugar que chove forte,
Adeus dois mil e nove.
A chuva caiu de vez,
Chegou dois mil e dez.
Pessoas têm pesadelo,
Dois mil e oito ainda mete medo.
Ano que ficou gravado,
Vidas ainda sujas de barro.
Morros desapareceram,
Pessoas não apareceram.
Lugares soterrados,
Sonhos enterrados.
Rio Itajaí, eras belo outrora,
Odiado por muitos agora.
Gente feliz encontrou um lar,
Gente feliz mora em Gaspar.
Encontrei Vila Nova,
Encontrei vida nova.
Aqui vou ficar,
Até o dia clarear.
                                                     Setembro 2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Chuva na cidade

A chuva molha meus óculos,
Procuro proteção numa loja.
A senhora cobre os cabelos,
Acho que o penteado foi caro.
O jovem não se importa,
Jovem não combina com guarda-chuva.
Cidade grande não combina com chuva.
O jornaleiro protege os jornais,
Notícias frescas ensopadas.
Um senhor está irritado,
A chuva apagou seu cigarro.
Mendigos procuram abrigo,
Na porta fechada da igreja.
O homem do tempo,
Estava novamente errado.
Um camelô olha para o céu,
Espera uma trégua lá de cima.
Outro camelô vende guarda-chuvas,
Olha para o céu e pede mais chuva.
O céu cada vez mais cinza,
Nem parece meio dia.
Papelão molhado na calçada,
Alguém não irá dormir hoje de madrugada.
Bueiros mostram seus conteúdos,
E devolvem seus presentes.
Guarda-chuvas e saias,
Lutam contra o vento.
O cãozinho está molhado,
E revela sua magreza.    
O ar fica lavado,
Muitas almas lavadas.
A TV da loja está alta,
Mais vôos cancelados.      
Caos aéreo.
Caos aqui no térreo.
Carros se multiplicam,
Ônibus procuram espaço.
Ambulância liga a sirene,
Carros fecham os vidros.   
Vidros embaçados,
Os carros abrem os vidros.
Meio dia fica mais escuro,
Carros acendem faróis.
Stress que não gosto de ver,
Tenho que enxugar os óculos.
A chuva aumenta,
E os carros buzinam.             
Fumaça dos escapamentos,
Deixa o céu cinza mais cinzento.
A tensão aumenta,
As pessoas gritam.
Moto boy apressado,
Entre os carros fica imprensado.
Fila da mega-sena está grande,
Pessoas na fila estão calmas.
Nada diferente,
Apenas mais um dia.
As pessoas vão,
As pessoas vêm.
Não se importam quem vai,
Não se importam quem vem.
Horário de almoço está acabando,
Atravesso a rua movimentada.
No alto de um prédio vejo um vaso,
A planta, humilde, aceita o presente do céu.
Agradece o que devíamos agradecer também.
Alguém pede minha atenção,
Digo que não, obrigado.
                                                   Setembro 2010