quinta-feira, 17 de março de 2011

Vida no morro

Muitos moram no sopé do morro,
É pé rachado pra subir e pra descer.
  Os soberbos tem frase sem pé nem cabeça:
  Os chamam de pés de chinelo.
Alguns nem chinelo têm pra pôr o pé,
Aí não dá pé!

Ex-proletários ficam elitisados.
Viram doutores, cantores ou jogadores.
Viram artistas, deputados ou vereadores.
Dizem ser ainda do morro,
Mas passam longe do morro.
Passam lá pra aparecer na foto;
Fotos para reportagens especiais.
É gente que venceu na vida.
Quem é do morro é perdedor?
Nem sujam seus ternos bem cortados.
Eles sobem na vida,
E descem o morro.
Descem antes da chuva descer,
Antes do barro escorrer,
Antes da polícia subir,
Antes das balas zumbirem,
Antes do rabecão chegar.

Ônibus passa rápido.
O pó sobe e a fumaça aumenta,
É muita loucura.
Os olhos ficam até vermelhos.
Morro grita alto.
Quem deveria ouvir se fazem de surdos,
Mas a lei do silêncio é mortal.
Pra viver no morro tem que saber viver,
Não é viver de qualquer jeito.

Tem gente que escreve sobre o morro,
Tem gente que canta sobre o morro,
Produção de fazer chorar,
Concorre até ao Oscar.
Mas o prêmio vai pra qualquer Hollywood,
Brasileiro ou estrangeiro.
Para o povo do morro,
Não sobra nem tratamento de esgoto.
  Esse é o lado poético do morro.

Tem gente que diz: Quero sair daqui!
Outros dizem: Se sair do morro, eu morro!
                                                        Março 2011


sábado, 12 de março de 2011

Jornais

Nossos jornais da manhã e da tarde,
Do barbeiro e do banheiro.
Seção de esportes.
Seção policial.
Notas de nascimentos.
Notas de falecimentos.
Vendem-se carros, panelas e copos.
Vendem-se jarros, janelas e corpos.
Têm classificados para crianças.
Tem classificados desclassificados.
Estes crianças não podem ver.
Nem adultos deveriam ver nem ler.

Jornal na feira embrulha o peixe,
Tem notícia que fede mais que peixe.
Jornal embrulha ovo,
Jornal embrulha o povo.
Jornal embrulha tudo.
Jornal embrulha ser humano para aquecer.
Também embrulha ser humano já frio.

Jornal cobre noticias lá do fim do mundo.
Jornal cobre gente na calçada,
Com vida ou sem vida.
Não importam quais são as noticias.
Não importa se é de hoje ou não.
Na verdade, não importa se notícia é mentira.
Para eles pouco importa.

Jornal de domingo é berço de recém nascido.
Jornal de domingo é esperança de recém despedido.

Jornalista e jornaleiro,
Opostos que se atraem.
Jornalista vende noticias,
Jornaleiro vende jornais.
Compramos jornal por notícias pagas.

Jornal mata moscas.
Jornal cria teias.
Jornal mil e uma utilidades.
Jornal tem passa tempo.
Jornal tem notícias do tempo.
Jornal tem notícias do final dos tempos.
É o fim do mundo!

Quem lê jornal fala difícil.
Quem assiste ao jornal diz boa noite ao tubo.
Absurdo!
                                                      Março 2011

terça-feira, 1 de março de 2011

AD 1000R

Você ainda tem calos nas mãos?
O coturno ainda machuca seus pés?
Lembro da vela lustrando as botas,
E do algodão na cara.
Na cabeça o bibico cor de abacate,
Deu lugar à boina preta.
Diga quantas caixas de isopor lhe quebraram,
E direi que tipo de homem tu és.
Centro social ainda causa pesadelos.
Jasmins no jardim trazem boas lembranças.

A empresa era multi, mas era de vidro.
Como tal se quebrou.
Quem lá trabalhava se espalhou,
E chorou.
E foi na ponta da ponta da praia,
Onde vi um homem surgir.
Era digno e orgulho de muitos.
Tua mãe e teu pai até prantearam.
Aí passou a defender estranhos.
Bravura que pouco se conhecia.
Cuidado com suas balas para não usá-las.
Não era pires do rio,
Mas era pires ao sol,
Com balas aquecidas,
Com balas virgens.
Sem essa de balas perdidas!
Bravura inocente.
Bravura sem derramar sangue.
Nem o fogo era páreo.
Você gostava das ruas e becos,
O front de batalha era o seu lugar.
Carimbar papéis nem tanto.
BOPE nem existia.
Sem ibope você já existia.
O Tatuapé te agradecia.
O Morumbi já te conhecia.
Carandiru se rebelava e te recebia.
Que choque!
Outrora Ponte Pequena,
Agora Armênia.
E ali estava aquele panelão.
Alguns tijolos têm suas digitais.
Naquele meio estava você,
Em meio a cruzeiro do sul.
Ah, se teus fuscas falassem!
                                  Março 2011