terça-feira, 28 de setembro de 2010

Bueiro do mundo

Bueiro, lugar sujo.
O que anda ali?
Baratas,
Ratos,
Bichos.
Ninguém põe a mão.
Muito lixo,
Sempre entupido.
Cheiro ruim,
Lugar esquecido,
Lugar obscuro,
Lugar escuro,
Lugar cinza,
Lugar sem vida,
Água sem cor.
Bueiro imundo,
Lembra-me o mundo.

Ontem vi um bueiro.
Olhei o bueiro.
Era o bueiro.
Queria por a mão,
Queria tirar foto,
Da escuridão,
Da grade do bueiro,
Do rachado do asfalto.
Uma flor nasceu,
Solitária e bela.
O caule surgiu,
Da escuridão,
Lá de dentro.
Cor vermelha.
Contraste com escuro.
Nem tudo é sujo.
Lugar com vida,
Naquele bueiro imundo,
Lembrei-me do mundo.
                                          Setembro 2010


Uma flor nasceu,
Solitária e bela.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Minha casa

Um tijolo e mais um tijolo.
Talvez eu pareça um tolo.
Mas me lembro,
Apesar de tanto tempo.
Naquele distante bairro,
Onde os pés tinham cor de barro.
Onde a TV não busca problemas,
Melhor mesmo é filmar Moemas.
Vendi o carro, mas não tinha o montante,
Precisei financiar o restante.
Comprei metade de um lote,
Maioria dos brasileiros não tem tal sorte.
Meu cunhado a outra metade comprou,
Assim nosso sonho se concretou.
Nosso terreno foi divido,
Sonhos e esperanças unidos.
Na fundação trabalhou o ‘seu’ Vicente,
O Beto era o seu servente.
A terra nós rasgamos,
E de cimento a enchemos.
Sonhos e esperanças misturamos,
Foi o alicerce de nossos sentimentos.
Lembro do Zezinho, meu cunhado.
Sujeito honesto e pacato.
Na feira ele trabalhava.
De tarde, na obra ele ajudava.
Hoje me lembro e falo,
Todo dia ele enchia as mãos de calo.
Coisas sobre ele posso falar,
Pena que ainda não está aqui pra comprovar.
Quando o calor esquentava,
Aí a fome apertava.
De longe eu via a figura delas,
A Cris e a Ivone trazendo as panelas.
O Luiz não tinha parentesco comigo,
Mas se mostrou ser um grande amigo.
O número da casa vamos dar,
Qual número seria, dezena ou milhar?
Eu e o Zezinho, o número 51 escolhemos.
O motivo nós não diremos.
A primeira laje foi concretada.
Lembro daquela tarde ensolarada.
Foi muito concreto, cimento e limão,
Ferragens, garrafas e carvão.
Essa mistura boa coisa não daria,
Pobre de meu Fusca e sua lataria.
Na construção fomos arquitetos e engenheiros.
Também fomos serventes e pedreiros.
Na falta d’água o suor molhava a massa,
Tudo isso para erguer a nossa casa.
Hoje preciso chorar e não consigo,
Lembro que lágrimas escorriam até o ultimo pingo.
Quem lê talvez não entenda nada.
É só pisar naquela terra ainda encharcada.
Telhado posto e paredes erguidas,
Muitos cheques e contas negativas.
Entre aquelas paredes muitos foram recebidos,
Alegres, tristes ou deprimidos.
Recebemos a todos sem receio,
Alguns nem estão mais em nosso meio.
Já hospedamos personalidades,
Mineiros, paranaenses e celebridades.
Mato-grossenses, chilenos, americanos.
Toda sorte de gente hospedamos.
Passo a meditar em minha casa no futuro,
Quando poderei derrubar o muro.
E uma grande multidão poderá ir,
E uma grande multidão poderá vir.
Minha casa não será mais minha casa,
Minha casa será a nossa casa.
Não te conheço, mas será bem recebido,
Não te conheço, mas será meu amigo.

                                                           Setembro 2010

Quando aqui cheguei


Cheguei em dezembro,
Parece ontem, me lembro.
Era pesada a mala,
Era pesada a carga.
Rodoviária vazia,
Outra idéia eu fazia.
O sol era forte,
Vim tentar a sorte.
Deixei minha família,
Minha casa ficou vazia.
Vim pra Santa Catarina,
A gente nem acredita.
São Paulo eu deixei,
Blumenau, eu cheguei.
Da cidade grande fugi,
Refugiei-me aqui.
Deixei cidade grande,
Sentia-me insignificante.
Vim pra cidade pequena,
E me sentia pequeno.
Disseram: ‘Você é corajoso’.
Na verdade diriam: ‘Você é louco’.
Era necessário,
Estava desempregado.
Era uma quinta,
Emprego eu já tinha.
Repito: a família deixei,
Sozinho, cá fiquei.
Dormi em hotel e no chão,
Ganhei um colchão.
Tantas coisas passadas,
Essa é mais uma etapa.
A sombra me acompanhava,
A saudade me abraçava.
Lugar que chove forte,
Adeus dois mil e nove.
A chuva caiu de vez,
Chegou dois mil e dez.
Pessoas têm pesadelo,
Dois mil e oito ainda mete medo.
Ano que ficou gravado,
Vidas ainda sujas de barro.
Morros desapareceram,
Pessoas não apareceram.
Lugares soterrados,
Sonhos enterrados.
Rio Itajaí, eras belo outrora,
Odiado por muitos agora.
Gente feliz encontrou um lar,
Gente feliz mora em Gaspar.
Encontrei Vila Nova,
Encontrei vida nova.
Aqui vou ficar,
Até o dia clarear.
                                                     Setembro 2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Chuva na cidade

A chuva molha meus óculos,
Procuro proteção numa loja.
A senhora cobre os cabelos,
Acho que o penteado foi caro.
O jovem não se importa,
Jovem não combina com guarda-chuva.
Cidade grande não combina com chuva.
O jornaleiro protege os jornais,
Notícias frescas ensopadas.
Um senhor está irritado,
A chuva apagou seu cigarro.
Mendigos procuram abrigo,
Na porta fechada da igreja.
O homem do tempo,
Estava novamente errado.
Um camelô olha para o céu,
Espera uma trégua lá de cima.
Outro camelô vende guarda-chuvas,
Olha para o céu e pede mais chuva.
O céu cada vez mais cinza,
Nem parece meio dia.
Papelão molhado na calçada,
Alguém não irá dormir hoje de madrugada.
Bueiros mostram seus conteúdos,
E devolvem seus presentes.
Guarda-chuvas e saias,
Lutam contra o vento.
O cãozinho está molhado,
E revela sua magreza.    
O ar fica lavado,
Muitas almas lavadas.
A TV da loja está alta,
Mais vôos cancelados.      
Caos aéreo.
Caos aqui no térreo.
Carros se multiplicam,
Ônibus procuram espaço.
Ambulância liga a sirene,
Carros fecham os vidros.   
Vidros embaçados,
Os carros abrem os vidros.
Meio dia fica mais escuro,
Carros acendem faróis.
Stress que não gosto de ver,
Tenho que enxugar os óculos.
A chuva aumenta,
E os carros buzinam.             
Fumaça dos escapamentos,
Deixa o céu cinza mais cinzento.
A tensão aumenta,
As pessoas gritam.
Moto boy apressado,
Entre os carros fica imprensado.
Fila da mega-sena está grande,
Pessoas na fila estão calmas.
Nada diferente,
Apenas mais um dia.
As pessoas vão,
As pessoas vêm.
Não se importam quem vai,
Não se importam quem vem.
Horário de almoço está acabando,
Atravesso a rua movimentada.
No alto de um prédio vejo um vaso,
A planta, humilde, aceita o presente do céu.
Agradece o que devíamos agradecer também.
Alguém pede minha atenção,
Digo que não, obrigado.
                                                   Setembro 2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Dona de casa

Dona de casa,
Todo dia limpa o chão.
Aplica o dinheiro no sacolão.
Mercado é outra forma de aplicação.

Porta que se abre,
É porta do fogão.
Sem perder o gás ela troca o botijão.
Incentivo recebido
É para aprontar a refeição.
Elogio recebido:
Se não queimar o feijão.

Vassoura fiel,
Sempre à disposição.
Quando perguntam se trabalha,
Deve responder que não.
Quando perguntam se tem renda,
Responde alto que não.
Isso causa confusão.
Isso causa depressão.
Que panela de pressão!
É muita malhação!
Outro incentivo:
Vale a pena ver de novo! Isso não!
Dona de casa,
Queria ser dona de si.
Dona de casa
É sinônimo de empregada.
Mas empregada tem carteira assinada,
Empregada tem hora de saída,
Tem hora de entrada.
Companheira é Ana Maria Braga.

Avental protege o ventre.
Muitos anos falando com pratos.
Com pano de prato secando prantos.
Espera o marido para derramar os prantos.
Marido ouve, mas nem tanto.

Sempre trabalhando pelos cantos.
Liga o rádio e solta seus cantos.
Dizem que não trabalha fora.
Trabalha dentro, onde ninguém vê.

Se está cansada, não tem o porquê.
Se a unha está feita,
É porque não faz nada.
Se a unha está quebrada,
É porque é desleixada.
Se grita é uma estressada.
Se não grita é uma Amélia,
Ou uma Maria.
Que mania!
Vai entender.

Ninguém entende dona de casa.
Dona de casa tem que entender todos...
E de tudo.
Matemática, enfermagem e culinária,
Religião, política e reforma agrária.

Se manchar a camisa é a culpada,
Se pregar o botão não se ouve nada.
Dorme com a lua, acorda com a lua.
E não pode viver no mundo da lua.
Relógio é seu pior inimigo,
Dizem que ela tem tempo.
Marido é seu melhor inimigo,
Ele diz que não tem tempo.
Marido diz que a ama.
Ela se anima e arruma a cama.
Marido liga a TV e pede a ‘janta’.

Alguém já ouviu falar em ‘dono de casa’?

Diz pra filha, você vai ser diferente.
Filha diz que vai ser diferente.
A vida se intromete e faz a diferença.

Filho diz que quer mulher igual a você.
Você diz igual a mim em que?
Sem tempo de retocar os brancos?
Sem tempo de fazer pé e mão?
Sem tempo para si,
E ter que ter tempo para todos?
Ele diz que sim e mais um pouco:
Amiga quando todos são inimigos.
Inimiga quando precisa ser inimiga.
Vaidosa mas sem vaidade.
Meiga mas não dondoca.
Super-mulher, mas quer ser resgatada.
Quer ser resgata, mas não humilhada.
Frágil mas não fraca.
Sensível e sem frescura.
Guerreira e pacificadora.
Valiosa como um vaso delicado.
Não é top model, mas é modelo de mulher.
Antes de ser dona de casa,
Dona de casa é mulher antes de tudo,
E tudo na casa depende da dona de casa.
                                               Setembro 2010