terça-feira, 27 de agosto de 2013

Nunca

Eu nunca comi caviar,
E nem velejei no mar.

Nunca voei de helicóptero,
Nem entrei num sarcófago.

Nunca bebi Moët Chandon,
E nunca vi nenhum dom.

Nunca vi uma anaconda,
E nunca pendurei nenhuma conta.

Nunca fui o primeiro da classe,
E nunca voei de primeira classe.
Mas não canso de repetir:
Nunca repeti de ano.

Nunca me chamaram pra um safári,
E nunca me chamaram de safado.

Falando nisso, nunca fui político,
E nunca me chamaram de cínico.

Já estive na Alemanha,
Mas não conheço a França.

Nunca fui à Zona Franca,
E nem nunca paguei fiança.

Nunca fumei nem traguei.
Nunca cheirei nem injetei.
Nunca queimei nem trafiquei.
Nunca usei crack da droga,
E nunca fui craque da droga da bola, droga!

Nunca fui encarcerado,
Por ser inocente ou culpado.

Não cometi assassinato,
Mas já vesti meu tio no necrotério.

Pra muitos é um tédio,
Mas passei muitas noites em cemitérios.

Pra muitos pode ser mentira ou mistério,
Mas tudo isso é sério.

Eu não ensinei meu filho,
A andar de bicicleta,
E nem como usar uma cueca.

Nunca troquei sua fralda,
Descartável ou de pano.
Por essas e muitas outras,
Não posso e nunca serei,
Um ‘pai do ano’.

Mas cometi alguns acertos...
Se eu não me engano!

Nunca li uma história,
Pro meu filho dormir,
E nunca o acordei e o fiz sorrir.

E pra colocar um fim,
Eu ainda devo e não paguei,
Uma lua de mel pra Cris.
                               Agosto 2013


sábado, 24 de agosto de 2013

Hino marginal

Às margens plácidas,
Corre um rio pálido,
Fugindo da realidade,
Abatido e apático.

Já correu vigoroso,
Em priscas eras.
Hoje ele rasteja,
Pelo leito maculado,
Por entre pedras.
Parece um senhor aposentado,
Cheio de vigor,
Mas triste e encostado.

Em seu leito dormem,
Coisas sem vida,
E coisas com pouca vida.
Em suas margens,
Boiam pneus e sonhos paulistanos.
Em sua nascente tem vida,
E sua morrente sem vida.

Isso é crime hediondo,
Com dever ao cárcere,
Sem direito a banho de sol,
Nem copo com água.

Eu nunca vi foguete na NASA,
Eu nunca tive caviar em casa,
Eu nunca vi o Tietê,
Limpo em sua beirada.

Ouviram do Tietê às suas margens?
Era o grito do rio,
Respirando moribundo,
Sem ajuda de aparelho$.
Pra que verba pra lixo?
Que verbo mal cheiroso,
Mal conjugado e mal deputado.
Que rio marginal em fase terminal.
Pobre rio marginalizado,
Adornado pelas vias,
Que vão e que vem.
Sem respirar fundo,
Balançam a cabeça em reprovo.
E todo aquele povo,
Vem e vai,
E depositam seus excessos.
Fetos, dejetos, desafetos.
Carga e descarga.
Pura realidade com conteúdo impuro.
Todo impróprio pra banho e pra sonho.

Ó Deus,
Olhe pelo meu Tietê,
Salve, salve.
                             Agosto 2013


O Rio Tietê nasce belo em Salesópolis - SP
e vai morrendo aos poucos em poucos quilômetros.