terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Eu, sem cor e sem som

Ele era mudo e vagabundo;
Dormia na rua imunda;
Andava pela sarjeta estreita;
E o banco da praça o abraçava.
Roubava e apanhava,
Era apanhado e encarcerado.
O cárcere não era pra ele,
Igual ave que não merece o cárcere,
Igual um cão que não merece a coleira,
Ele era da rua e para a rua.
E a rua era toda dele,
Apesar de ser dura e crua,
Ela o queria e o recebia.

Bengala e chapéu coco,
Bolso de seu fraque era oco.
Era soberbo e não se contentava com pouco,
Mas com uma moeda no bolso,
Se sentia dono de tudo,
E que era o todo poderoso.
Seu caminhar era ‘dez para as duas’,
Sapato grande e meias sujas.

Era malandro e ingênuo,
Não era cientista, mas foi um gênio.
Era um palhaço dramático,
E fez drama com a palhaçada.
Nos fez chorar de tanto rir,
E choramos assim, simplesmente,
Por causa de sua mente.
E a lágrima descia.

Pra que cor?
Era só o preto e o branco.
Pra que som?
Era só o som sem cor e sem preconceito.

Sou igual a ele, mas pior.
Ele era igual a mim, mas melhor.

Sou palhaço sem fraque,
Sou um gênio de araque.
Sou brilhante por um instante,
Depois volto a ser como antes.
Faço sorrir e faço chorar,
Faço soluçar e faço gargalhar.
Sou ave e sou cão,
E trabalho pelo pão.
Também conheci alguns bancos,
Longe de ser abraçado,
Sentia muitos solavancos.
Sou mudo e sem cor,
Tenho sentidos, sentimentos,
E sinto dor.

Não sou e nem quero ser,
Nem Charlie nem Chaplin,
Ou igual a alguém assim.
Procuro ser eu mesmo,
E me esforço em não ser outro.
Ser eu não é fácil,
Ser Chaplin também não foi, eu acho.
Uns dizem sim, não e talvez.
Esse sou eu e não há outro,
Sou Cleidinei Naves,
O único assim.

Janeiro 2013












Viagem lunática ao redor do sol

Que vontade desesperançosa,
De subir no WTC,
Aquele que não existe mais.
Correndo e subindo,
Pelas paredes e pelas escadas,
E por fim chegar em primeiro,
Ao último e derradeiro andar.
Olhar pra cima e olhar pra baixo,
Com as pupilas dilatadas,
Fechar os olhos e abrir os braços,
Abraçar a imensidão daquele vazio,
E planar igual uma bigorna.

Voar e sobrevoar,
Por entre aquelas nuvens,
Com cheiro e sabor de algodão doce.
Ao fundo um arco-íris,
Colorido de uma só cor.

Voar tão veloz,
Quanto uma folha de outono,
E olhar pra trás e ver,
O Superman ‘comendo’ poeira.
Contornar o Led Zeppelin,
Ardendo ainda em chamas.
Olhar logo ali,
E curtir o dark side of the moon.

Olhar pra baixo,
E ninguém olhar pra cima.
Nada acima das nuvens,
E nada abaixo por debaixo.
E ali, só eu,
E toda aquela imensidão de vazio,
Só eu e aquelas nuvens.
Nuvens almofadadas,
Com tecido de cetim,
Convidando para um deitar celestial.
Na cabeceira um suco gelado,
De uvas selecionadas,
De videiras longínquas.
A taça de cristal,
Brilha e ofusca o sol,
Enquanto o canudo descansa,
No lado esquerdo da taça.
Parece Holiday,
Em dia de trabalho.
O rádio-relógio não é relógio e nem rádio;
Ele fica calado e zerado.

Ali o tempo não anda;
Ali o tempo não pára;
Ali o tempo não voa;
Ali o tempo não faz sentido;
Ali o sentido do tempo é outro.

Que fantástica viagem lunática,
Alí naquele ar ensolarado.
                                                       Janeiro 2013



sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Guardanapos

Guardanapo se encharca,
De água salgada,
De olhos sentidos,
De testas escorridas,
De quem tá ali,
Pra esquecer ou se lembrar.

Guardanapo é descanso de cerveja,
Ou camisa de whisky.
Enxuga o suor das fritas,
É aconchego e vira colchão,
De cesto de pão.

Guardanapo não se apaixona,
Mas fica com marca de batom,
Em sua borda e colarinho.
Ele é cavalheiro,
É oferecido e se oferece,
E seca a lágrima de uma dama.

Guardanapo dura pouco,
E tem vida curta.
Ele se entrega ao trabalho,
E fica em pedaços.
  Guardanapo vira um farrapo!
Mas ele é parceiro fiel,
Do garçom e da garçonete.
Tá sempre no bolso ou na mão.

Guardanapo é boêmio,
Vive por aqui e por ali,
Pelos restaurantes e pelos bares.
Se esparrama e se espalha,
Por mesas e balcões.
Vira bloquinho,
Pra anotar pedidos e telefones.
Vira telas de artistas e desenhistas,
E caderno de poetas e poetisas.

Às vezes recebe carinho,
E é dobrado e guardado,
No meio de um livro.
Mas também,
É incompreendido,
E no momento da ira,
É embolado e rasgado,
E vai parar no lixo.
Dalí ele olha tudo e todos,
Fica no esquecimento,
E sabe que chegou o seu fim.
                                                  Janeiro 2013



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Duas gavetas


A realidade é primeira gaveta.
Todos os dias a abrimos,
Para mais um dia.
Realidade é pé no chão.
Chão é firme, mas é duro e frio.

O sonho,
Fica na segunda gaveta.
À noite a gente sonha,
E viaja pra lá e pra cá.
A gente deita no céu,
Forrado com lençol de cetim,
Aproveita e pisa macio,
Em nuvens de algodão.
Pode voar sem ser peixe,
E nadar sem ter asas.
A gente aparece e desaparece,
Sem precisar existir.
Tem-se super poderes,
Sem grandes afazeres.
A gente estica o braço,
Alcança e pega o sol e a lua,
Poe um num suco de uva,
O outro enfeita um bolo.
É só olhar logo ali,
E tirar o rosa do arco Iris,
Pintar um quarto de menina,
E deixar uma criança feliz.
No escuro ou no clarão dum sonho,
A gente encontra pessoas que nunca viu,
E reencontra gente que já se foi.
Chora um choro real,
E gargalha uma risada sem igual.
O travesseiro seco ou molhado,
Descansa a sua cabeça,
E é testemunha de tudo.

A gaveta do sonho é grande,
Tem espaço pra um monte de coisas.
Quando não cabe mais nada,
A gente aperta aqui e ali,
Soca ali e aqui.
Sonho de padaria azeda e estraga,
Sonho da gente fica velho,
Mas não tem prazo de validade.
Tem gente que diz,
Que aquele sonho é tipo assim,
Sem pé, sem cabeça e sem nariz.
Ainda bem que não tem,
Senão seria realidade,
Disfarçada de sonho.

Às vezes, nem sempre,
Realidade e sonho se misturam,
E um parece que é o outro.
Aí quando acordamos,
Vemos que o sonho é real,
Ou a realidade é um sonho.
E se pudéssemos trazer o sonho,
Para nossa realidade,
Ou fazer de nossa realidade,
Apenas um sonho?
É melhor cada um em sua gaveta,
Senão realidade e sonho,
Viram pesadelos...
Ou não...                                                  
                                               Janeiro 2013




segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Top five


Este é um texto bem humorado de algo desagradável ocorrido em minha conta corrente. Simplificando, uma concessionária de energia solicita o cadastramento de um débito automático em minha conta sem o meu conhecimento. O banco comete um outro erro e aceita. Ocorre o débito e dois dias depois meu inquilino, sem saber de nada, efetua o pagamento. Alguns dias depois, a concessionária envia-me uma carta informando sobre o não pagamento da conta e a possibilidade de inclusão de meu nome no SERASA. Foi uma sucessão de erros que aproveitei para transformar no texto abaixo.
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Temos muitos tops na vida,
Registrar todos levaria a vida toda.

Tenho conta num banco gringo,
Já foi brazuca, mas mudou de figura.
Agora é vermelho igual capa de toureiro,
Poeira sobe igual nevoeiro,
E as tarifas ardem os olhos o ano inteiro.

A dona da energia é top one,
É a poderosa da maior cidade.
Disse ao meu ‘parceiro’ espanhol:
‘Cobra o seu correntado’.
Na véspera do feriado popular,
O valor caiu igual tijolo,
E espatifou-se em minha conta igual miojo.
Minha conta é tecnologia moderna,
Foi débito automático,
Sem eu ter solicitado.
Serviço ‘top dos top’.

O banco toureiro é top dois,
E fez ‘sim senhor’, ora pois.
Eu dormia igual um asno,
E à surdina tudo acontecia.
Depois do feriado dos presentes,
Adelson, meu fiel escudeiro,
No bom proceder de um cidadão,
Pagou o que a dona dos fios,
Já tinha nos bolsos,
Com a ajuda da espanholada.
Dios mío, isto é top três!

Longos quinze dias se passaram,
E a dona elétrica entrou em choque.
Com dois valores nos bolsos,
Preocupada me escreveu uma carta.
Lá dizia que se eu não quitasse,
Aquela famigerada conta de consumo,
Que já volumava em seus bolsos,
Meu nome seria enlameado e embarreado,
Num tal de serviço de proteção ao crédito.
Ó, fui sentenciado e incriminado,
Pelos gringos terem empacotado,
Uma conta duas vezes.
Isso é serviço top... top quatro.

Me senti no canto da sala,
Com cone na cabeça,
Sentado na cadeira elétrica,
Com tachinhas no assento.

Mas eis que não me faltava esperança,
Não me refreei e busquei ajuda,
E pintei no atelier do Van Gogh.
O ambiente era impressionista,
Mas depois de longas 48 horas,
A sua ajuda foi abstrata.
Esta pintura é digna de top five.
A solução veio daquela bancária,
Que fez algo que me impressionou:
Ela trabalhou!
Depois de tudo olhei ao redor:
Jogaram farinha no ventilador!

Os ‘top top’ iriam longe,
Então paro por aqui e dou um stop.
Mas durante o ano,
A contagem dos ‘top top’ vai continuar.
                                       Janeiro 2013


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Retrô

Retrospectando o ano findo,
Apesar de tantos,
Estou vivo e vou indo.
Foram poucos holidays,
Mas esses poucos foram bons.
Com sol e chuva na cara,
Tomei uns tombos,
E me fizeram cair na real.
Areia fina e água gelada,
Bombas e seu diminutivo,
Estavam e ficaram assim.

Não realizei provão e nem ENEM,
Mas fiz uns exames,
E o sangue me subiu.
O ano não se atrasou,
Chegou e me arrastou,
E a pressão foi total.
Quer uma receita para um bom ano?
Fico devendo,
Pois deixei várias na farmácia.

Muitos prêmios para uns e outros,
Com belos gols e bolas de ouro.
Minha borrachuda tava na área,
E às vezes encheu e quase estourou,
Em outras ficou vazia e murchou.
Mas a galera,
Não podia vê-la pingando.
Era oportunidade pra meter o pé,
E sair chutando.
Vontade deles,
Era mandar a minha gorducha,
Pra algum terrão da várzea.

Minha caneta labutou,
Se esgotou e se estressou.
Em dezembro ela cansou,
Me procurou e confessou:
To sentindo um vazio aqui dentro.
Fiquei de coração partido,
Mas vou arriscar a continuar,
Riscar e rabiscar umas folhas em branco.
Difícil é quando a inspiração tá distante...

Pra finalizar,
No fim de tudo,
Minha cara ficou assim.
Parecia bochecha de bolacha traquina,
Redonda, branquela,
E cheia de pelos e cabelos.
O pessoal me olhou de lado,
E ficou meio ‘sei lá, entende?’.
Eles diziam lá com seus botões e bordões:
Tá na cara descarada,
Que o criminoso está ali,
Atrás da máscara de pelos.
Com a cara e sem muita coragem,
Eu desconcordei e disse sim.
Me confundi todo,
E entenderam tudo.

O ano virou e vou me virando,
Desta para melhor.
Em dezembro a gente se encontra,
Para um outro retrô.
Que o mau tempo não se intrometa!
                                         Janeiro 2013


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Show de horrores


Esse é o teatro da vida humana.
Todos os dias têm show,
Nem sempre tem espetáculo,
E todos os dias têm vaias.
Minha vida é um drama,
A platéia dramatiza e entende,
Mas se fazem de desentendidos,
E riem como fosse comédia,
E tudo acaba,
Num verdadeiro terror da vida alheia.
Aí eles vaiam, gostam,
E saem satisfeitos e dizem:
 Foi horrível,
 Mas valeu o ingresso que não pagamos.

As luzes se apagam,
E fico só naquele teatro.
Espelunca de quinta categoria.
O chão tem tomates,
Sapatos e latinhas.
Fiz drama, que virou comédia,
E terminou em terror.
Foi um fiasco,
E a platéia vaiou e desdenhou.
Não importa se o show,
É na Broadway, no Municipal,
Ou no Largo do Arouche.
O nível do povo é único.
Que esforço em vão!
Parece vara de pescar,
Com alfafa como isca,
E um burro tentando alcançar,
Pra comer e se fartar.
Vou morrer de fome!

O dia não perde a hora,
E vem bater na minha janela.
Levanto com a cara nua,
Abro o armário,
E escolho as máscaras para o dia.
Alegrias e tristezas,
Falsidades, verdades e mentiras...
Durante o dia uso todas,
E às vezes faltam algumas.
Na verdade ou na mentira,
Tire a sua máscara e me diga:
Você usa máscara?

É show com atores amadores,
Impostores e enganadores...
Que show de horrores!
Confesso de cara limpa:
Às vezes minhas máscaras caem,
Aí bate o desespero,
E todos vêem minha nudez.
Isso dá uma vergonha!
                              Janeiro 2013