sexta-feira, 20 de abril de 2012

Quarto mistério

O guarda roupas se fecha,
E naftalinas têm irritação nas narinas.
O criado fecha suas gavetas,
E fica mudo diante de tudo.
Persiana esconde o discreto,
E mostra só o necessário.
Parece uma dama bem comportada.
Entrada liberada,
Apenas para o clarão da madrugada.
Ventilador é pura discórdia,
Faz não pra lá e pra cá,
E espalha tudo aos quatro ventos.
Lençol detesta luminol,
Parece um enrolado ao edredom,
E o tapete se esparrama pelo chão.
O travesseiro é um almofadinha,
E a fronha é sua camisinha.
Às vezes tem estampa de florzinha.
Por um segundo eu penso,
Que o quarto vem primeiro.
Se a cozinha ouvir isso por terceiros...
O abajur usa chapéu,
E projeta luz no chão e no céu.
A lâmpada se pendura no teto,
Lá embaixo o abajur é seu desafeto.
O relógio não sabe se é rádio.
Ou não, é o contrário.
Estressado não perde o tempo,
E mostra o tempo o tempo todo,
E apressa a todos todo o tempo.
E ainda dá notícia de tudo e de todos.
Ah, ninguém tem tempo pra isso tudo!
As pantufas não andam sozinhas,
Mas tem os pés no chão.
A cama parece coruja,
E descansa de dia.
Enquanto muitos pegam no sono,
O turno da madrugada será longo.
A cama ainda suporta os ácaros,
Lhe comendo toda a pele.
Os cantos das paredes são mudos,
Mas observam e ouvem tudo.
Ah, se as paredes falassem!
Diriam coisas absurdas.
Sua principal testemunha,
Seria a brilhante lâmpada.
Toda luminosa ela diria:
Eu acendi e vi tudo!
Cuidado!
A lâmpada pode se queimar,
E amanhecer aos cacos,
Pelos quatros cantos do quarto.
Seria a Chacina do Candelabro!

Debaixo da cama,
E dentro do guarda roupas,
Continua tudo escuro e obscuro.
Os mofos proliferam,
E as teias continuam armadas.
A maçaneta gira e a porta se abre.
Ouve-se o ranger de dentes,
Das irritadiças dobradiças.
Que arrepio de peles mortas!
 ‘Boa... noite!’
                                                          Abril 2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Olhar do semáforo

A calçada está toda molhada,
O limpador trabalha,
E o semáforo preocupado se fecha.

Ele aparece aqui,
Justo pra mim!
Suas pernas não andavam bem.
Ele tem aparência carente,
E pede dinheiro pra filha doente.
No bolso eu tinha notas e moedas,
Uma de vinte e uma de dez,
Uma de cinco e uma de dois.
E ali estávamos nós dois.
Eu podia lhe dar mais ou menos,
E lhe dei uma valendo cinco.
Me senti um banqueiro,
Analisando-o como um cliente.
Naquele entardecer,
Eu tinha o poder de lhe conceder,
Ou ignorar e negar.

Qual seria sua intenção?
Ah! Isso é do alheio,
E não me diz respeito.
Talvez comprar narcótico,
E fugir do dia neurótico.
Ou comprar cachaça,
Para suportar a vida na calçada.
Talvez pagar por prazer na esquina,
Com alguma donzela vivida,
E esquecer alguma paixão doída.
Ou seria apenas para uma aspirina,
E aliviar sua dor de rotina.
Talvez fosse para a filha.
Aí a receita seria fidedigna.

Ele continuou,
Tentando e testando a sorte,
Naquele verdadeiro labirinto da morte.
Mas outros carros se fecharam,
E o ignoram sem respeito,
Praticando o pré conceito.
Problema que não lhes dizem respeito!
Pobre sujeito.
O semáforo me olha vermelho,
De vergonha ou de reprovo.
Todos aguardamos ansiosos pelo verde,
Mas o vermelho nos castiga e permanece,
Todo impassível e inerte.

Sem sucesso com os outros,
Ele volta mancando.
Talvez querendo agradecer,
Me olha vendo o meu ser,
E consegue dizer:
Vou incluir você,
Em minhas oração que eu ‘fazê’.
O vermelho ficou em minha cara,
Nem sei se o verde chegou e fui embora.
                               Abril 2012

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Tampa e panela

Aos casais que suportam muitas pressões pra manter o lar feliz.
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Tampa e borracha,
Estraga, afrouxa e se alarga.
Panela paciente fica na espera.
Cabo da panela se quebra,
Tampa sem pressa, espera,
E não se estressa.
Elas trabalham a semana toda,
E uma completa a outra.
Pressão nelas é diária.
A tampa tem cabeça,
E gira toda louca.
‘Não é todo dia,
Que eu levo em banho maria.’
Então ela se irrita e apita,
E bufa e grita senão pira.
É um ‘caldeirão’ por dia.
Sempre estão na fogueira.

Tudo isso tem um motivo,
E um porquê que explica tudo.
Muitas bocas esperam,
E não têm tempo,
Para suas pressões.
Panela parece trem,
Pressão vem a todo vapor.
Pelo menos o trem anda por aí.
Mas a vida da panela é limitada,
E vive na pia e na cozinha.
Ela agüenta caras e bocas,
E alimenta pratos e marmitas.
Isso esquenta a pressão do dia.

Uns sempre vêm,
E lhes metem a colher.
A tampa entende a panela,
E cobre os problemas dela.
A panela é amiga,
Suporta a tampa olhando pra cima.
Juntas fazem uma força danada,
Pra não chutar para os ares,
Tampos, trempes e talheres.
Mas depois vem a bonança,
E o lar vive a calmaria.

Mas a velhice chega,
E chega o fim da linha.
Chega de cozinha!
Quando uma ou outra,
Segue seu caminho,
No final vai descansar no lixo.
Nova casa é na sucata,
Vai enferrujar ou ser prensada.
Não importa o futuro;
A outra lhe segue,
Pois em outra função não serve.
Seja como vier, venha o que for,
Suportaram tudo por amor.

Quantos estão nutridos e crescidos!
Hoje a maioria não se lembra disso,
São esquecidiços.

Tampa e panela,
Casamento de sucesso,
Até que a sucata as separe.
                                               Abril  2012

domingo, 1 de abril de 2012

No fim, um quindim

Quindim parece lua cheia,
Em noite fria de verão.
Quindim parece sol,
Em dia quente de inverno.
Quindim é todo redondo,
Com cara de gema de ovo.
A gente come um,
Cada mastigada é uma viagem.
A gente come dois,...
Melhor deixar a viagem pra depois!
Quindim é sabor deste mundo,
Se fosse de outro não seria assim.
É tsunami do bem que inunda tudo.
As papilas se deleitam,
Degustam aos limites do espaço,
Muito além do céu da boca.
Se a boca está nervosa,
Ela se aquieta e se acalma.
Se a língua é ferina,
Ela se amansa e volta à calmaria.
Os olhos se fecham,
E a boca tem controle total...
Isso ela pensa!
É momento perigoso,
Mecanismos de defesa e ataque,
Deixam tudo e todos vulneráveis.
O corpo se entrega,
A esse prazer dourado.
É doce do fruto que não é pecado!

Mas o início é chateação,
Tudo inicia com separação.
Clara e gema não se dão,
Quebram toda a sua casa,
E tudo fica em cascas.
Uma vai pra lá a outra pra cá,
Separam-se e evitam se olhar.
Mas a turma do deixa-disso,
Grita em coro nervoso,
‘Parem com isso’.
Açúcar e leite condensado,
Côco fica todo ralado,
Manteiga ou margarina,
Ficam toda derretida
É turma que vem com tudo,
Pra conciliar todo mundo.
Pessoal unido o resultado é bom.
Bom é pouco e humilhante.
O resultado é algo assim...
Com sabor de quindim.

O inicio pode ser difícil, sim,
Mas o fim deve ter sempre sabor de quindim.
                                        Abril  2012


Picadeiro no asfalto

Chuva, sol, ação!
Luz vermelha pra uns,
Luz verde para outros.
Todo malabarista vai,
Onde os carros estão.
Fumaça vai pra cabeça,
Entorpecidos e vidrados,
Jogam para as nuvens,
Espadas e esperanças,
Sonhos e bastões,
Bolas e cartolas.
Envolvidos nesses ares,
Eles fazem malabares.
O tempo é curto,
O show é rápido,
E a primeira fila tem pressa.
Fazem reverência,
E agradecem uma platéia,
Mais indiferente,
Do que diferente.
Enquanto o Gil cheira a talco,
Esses são artistas do asfalto,
E se satisfazem ao ouvir,
Alguns tilintares metálicos.

Olhos de vidros,
Lhe observam inertes.
O sinal amarelo alerta,
Que é flerte traiçoeiro.
Esse respeitável público,
Aguarda um sinal verde do céu.
Agora o palco não é mais seguro.
Tudo fica acelerado,
E o ar mais enfumaçado.
São pára-lamas e pára-choques,
Vidros filmados,
Vidros blindados,
Vidros fechados.
Seu público vai embora,
E ignora o retrovisor.
Vão e deixam pra traz,
Um rastro de ‘gelo seco’.
Isso deixa a garganta seca.

Calçada é bastidor.
Ele bebe água e tira a fuligem,
Da cara e dos brônquios.
É hora de rebocar a cara,
E se aprontar,
Para o próximo ato.
Luz vermelha no palco,
E lhe aguardam,
No picadeiro do asfalto.
Luz, vermelha, ação! 
Abril 2012

Jogam para as nuvens... Sonhos e bastões,
Bolas e cartolas.













Crônica da bola

Eles fazem o gol,
Olham para o alto,
E agradecem a alguém ou algo,
Choram ou sorriem...  eu não sei.
Mas no campo eu vejo,
Um campo de guerra.
Desentendimentos o jogo inteiro,
Não há respeito.
Não entendo bem,
Mas ouço um tal de fair play.

Eu sou chutada, eu sei.
Também sou agredida todo dia.
E poucas vezes eu replico.
Eu rolo, pulo e pingo.
Vou à linha de fundo e lateral.
Passo da cal e coisa e tal.

Ah, mas quando eu chego lá,
E atravesso as balizas...
Pena que não sei gritar.
Como é bom ser afagada,
Aconchegada e adornada,
Pela rede que me acomoda.

Mas dalí eu vejo os outros,
Recebendo seus louros,
E eu esquecida por eles,
Emaranhada nas redes.
Me sinto um nada,
Apenas um pedaço de borracha.
Fico com cara de capotão.
Três listras me irrita!
Nessa hora ninguém me dá bola,
E eu os vejo com a bola cheia!
Melhor seria ser bola de meia,
Na periferia num campinho de areia.
Talvez campinho de barro, ou no asfalto,
Com a molecada jogando descalço.
No final me põem debaixo do braço,
Vou pra casa e não sofro descaso.

Mas em plena constelação,
O futebol sai de campo.
A mídia calça a chuteira,
E o ego uniformizado,
Se preparam para o retrato
Falta apenas o escudo ser beijado.

Então as estrelas vêm me buscar,
Eles correm e vêm atrás,
Isso porque querem mais!
Querem mais é brilhar mais!

Sinto-me um objeto, nada além,
Para satisfação de outrem.
Não uso meus gomos,
Pra beijar escudos.
                                               Abril 2012