terça-feira, 14 de julho de 2020

Isolados


A gente anda meio isolado
Todo mundo desconfiado
Se tá resfriado
O pessoal te olha de lado
Se espirra
O pessoal se irrita
Se tosse, olham feio
Se olham feio, a gente tosse
É dose

Todo mundo de quarentena
A gente não aguenta
Nosso peso aumenta
A roupa se aperta
O salário de arrocha
O espelho debocha
E a balança quase explode

Eu não ligo mais TV
Não tem nada pra se ver
Um canal diz que tá tudo mal
Que o problema é Global
Outro canal diz que tá de morte
É Record e mais Record
Uns dizem que não é nada
E no bolso, nada
TV? Fica desligada
Eu nem ligo

A gente fica de coração partido
Quando vemos alguns partindo
Mesmo quem não conhecemos
A gente sofre junto
Por todo mundo
Por trás da máscara
A gente chora 
E nem pode mostrar a cara
Por trás da máscara
Bate um coração
Que às vezes até dispara

É tanto álcool em gel
É tanto spray
Que eu já nem sei
A gente fica embriagado
De tanto gel borrifado
Se na blitz eu for parado
Vou encarar o delegado

O mundo tá virado
Tudo mundo se virando
Enquanto a cena do mundo está mudando
Mas uns poucos estão esperando
Que tudo isso está passando
E o ruim será passado
Ninguém vai andar mascarado
E o riso ficará estampado
Num sorriso largo
Então vamos andar lado a lado
Até o pesar já tiver passado
Julho 2020


Coronavírus: Isolamento social custa R$ 20 bilhões ao Brasil, diz ...
Por trás da máscara
Bate um coração

terça-feira, 9 de junho de 2020

8Tenta e 3rês anos

Escrevi observando a minha mãe faltando poucos dias pra ela chegar aos oitenta e três anos. Olhando como espectador dá a impressão que os anos estão ficando pesados pra ela. Acho que o tempo está confuso: ao mesmo tempo que ele passa rápido parece que ele passa se arrastando, como sombra dela. Escrevi como que vendo o tempo literalmente a acompanhando. Escrevi como que me vendo quando tiver 8tenta e tantos anos... se eu chegar até lá.
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Me chamam pra almoçar
Mas nem serviram o jantar
Cadê o café da manhã?
Sendo que já é tarde
Vejo fotos amareladas
Conheço aquelas caras
Acho que as vi ontem
Não sei de onde

Tomo remédio toda hora
Dizem que é pra memória
Acho que é história
Eles acham que estou lelé
Já tomei meu café?
Estou aqui desde quando?
Acho que desde ontem
Mas só estou de passagem
Vou arrumar minha bagagem
Eles pensam que vou dormir aqui
Mas eu sei pra onde eu tenho que ir
Vou embora pra minha casa
De hoje não passa
Meus documentos estão na gaveta
Cadê minha carteira?
Estava aqui desde segunda-feira
O que eu estava procurando?
Ah! Achei meu chinelo de pano
Como meu cabelo está branco
Estava pretinho há um ano
Vou tomar meu banho

Olho no espelho e vejo uma figura
Quanta ruga
Minha pele parecia uma seda pura
Agora tenho minhas dúvidas
Se sou eu naquela moldura
Minhas rugas parecem um mapa
Na realidade são marcas
De coisas vivenciadas
Tatuadas bem na cara

Cadê minha energia?
Está acabando minha bateria
A amiga bengala
Virou uma aliada
Não posso sofrer uma queda
A bengala é minha terceira perna

Que dia é hoje
É manhã ou de noite?
Já é amanhã
Ou ainda é hoje?
É segunda?
Essa semana não acaba nunca
Ou já começou e eu estou caduca?
Só tenho perguntas
As respostas se foram
E eu vou pra onde?
Só quero ir pra casa
Ficar lá até meu dia vier
Até quando Deus quiser
Até o tempo for nada
Até a eternidade for tudo
Até minha recompensa chegar
Aí eu vou falar pra mim:
Valeu a pena perseverar até o fim
Junho 2020


Valeu a pena perseverar até o fim


Saudade

Saudade é sentimento nobre
Que dá até em coração de pobre

Saudade aperta a gente
Espreme até sair um caldo quente
Escorre pelo rosto já marcado
E pinga no chão já outrora molhado

Saudade é igual nó de gravata
Que não desata
E aperta a garganta já apertada
E toda congestionada

Às vezes é bom sentir saudade
É sentimento puro sem maldade
Devolve a gente pro passado
E leva a gente pro presente

Dá saudade na distância
Tão longe quanto a infância
Dá saudade quando se está perto
Mesmo assim dá um aperto

Há um comentário da antiguidade
Talvez num diário pra posteridade
Falaram que saudade não tem idade
Eu concordo meio desconfiado

Saudade da poltrona vazia
De quem sentava lá e sorria
Sentava lá e contava causos
E não pedia aplausos

Saudade da neve branca
Branca de Naves
De quando aprendemos a verdade

Saudade do bolinho frito
Do feijão cozido
Do ombro amigo
Daquele sorriso
Do conselho dito
Daquele casal querido
Daquele vestido comprido
Do terno fino
Do vinho tinto
De um passado longínquo
De um presente vizinho
Do ano de 85
E depois
De quando éramos cinco

Saudade de tempos atrás
Que não volta mais
Mas que no futuro será revivido
Num novo mundo prometido
Junho 2020



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Poltronas e cadeiras

Poltronas ou cadeiras? Vou usar as duas pra facilitar as rimas. Mas elas serão consertadas. Então, lá no salão, eu passei a observa-las com carinho e vi como elas são importantes. Eu observei e escrevi...
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Daqui eu vejo
Tanta gente em nosso meio
Sentadas e comportadas
Em poltronas enfileiradas
Sendo treinadas
Para nossas batalhas diárias

Temos nossas armaduras
Ô vida dura
Que sustentam nossas agruras
As cadeiras são equipamentos
Que nos suportam por inteiro
Sentamos lá
E lá deixamos nosso peso
É peso pesado
Nossa poltrona aguenta e não reclama
E a gente ouve o ensinamento
Pra calar nosso lamento
Nossa poltrona se encharca
De lágrimas derramadas
Enquanto sorrimos por fora
E esquecemos nosso enfraquecer
Pra fortalecer
Um irmão que precisa de uma força

Uma poltrona triste nos deixa vazio
Uma poltrona vazia nos deixa triste
E uma poltrona ocupada
Deixa nossa alma revigorada

Ê cadeira companheira
Parceira
Calada e comportada
Enquanto a gente aprende
A ser feliz de verdade
Num mundo cheio de mentiras

Seus braços nos abraçam
E nos sentimos abraçados
E confortados
Aninhados
Quase adormecidos
De tanto carinho
E no final
Simplesmente nos vamos
E lhe deixamos

Ô dona poltrona
Aguenta só mais um pouco
Pra tudo terminar
Não pra começar de novo
Mas pra começar o novo
Onde nos sentaremos 
Pra descansar sem cansar

Ô dona cadeira
Obrigado por segurar nossas jaquetas
Por lhe confiar nossas bolsas e maletas
Por te escorar nossas bengalas e muletas
Obrigado por suportar o nosso paletó
E não deixa-lo só
Por ser babá de nossos filhinhos
Por olhar nossos velhinhos

Perdão pelos rabiscos e rasgados
Por nosso sujo
Que lhe ficou marcado
Como mancha de pecado
Mas seu tecido manchado
Será lavado 
E considerado limpo e imaculado

E lá da tribuna ouvi o enunciado
Que você vai ser cuidada
Mas cuidado
Volte sem demora
O tempo é curto
E não temos todo tempo do mundo
Porque esse mundo não tem tanto tempo
Amiga cadeira
Precisamos de suas fileiras
Pra acomodar nossa gente guerreira

Então
Dona poltrona
Querida cadeira
Deixamos aqui registrado
O nosso muito obrigado
Fevereiro 2020