terça-feira, 21 de junho de 2011

Nome na vida

Bebê nasce sem nome.
Ninguém o conhece,
E ele não conhece ninguém.
É um Zé Ninguém.
Num mundo que valoriza coisas,
Ele chega sem coisa alguma.

Ele chega e chora.
Quem lhe espera,
Na sala de espera,
Também choram.
Isso é começo de vida.
Pra viver,
Ele vai precisar de uma vida inteira.
Com a vida ele conhece e é conhecido.
Agora tem nome, endereço e documento.
Talvez tenha casa, família e alimento.
Agora é alguém.
Antes ele apenas nasceu,
Agora ele passa a existir.
Se tiver coisas, vai ser alguém na vida.
Senão, vai continuar a ser um Zé Ninguém.
Que coisa, hein!
Pessoas vivem buscando coisas.
E assim pensam que vivem.

Talvez um dia,
Ele seja alguém na vida de alguém.
Sempre tem alguém procurando alguém.

As pessoas vivem fugindo da morte,
E muitos vivem se fingindo de morto.
Quando chega a morte,
Quase sempre é mais choro.
A vida é assim mesmo.
Ele se vai e coisas ficam...
Ficam para quem fica.
Aí quem fica chora sobre o morto,
E sorriem pelas coisas...
Ou o contrário!
São coisas da vida!
Será que o nome também morre?
Será que o nome vai continuar vivo?
Depende como o morto viveu.
Dependendo, é morte na certa!
É o SPC e o SERASA da vida.
                         Junho 2011

domingo, 19 de junho de 2011

Conquistas

Para conquistar uma nação,
É só ter soldados e munição.
Para conquistar o alto da montanha,
É só ter equipamento e artimanha.
Para conquistar um amor,
É só ser sincero e oferecer uma flor.

Conquistar o coração de um filho,
Não pode ter armamento,
Não existe nenhum equipamento,
Nem basta ter bons argumentos.

É sempre assim,
Ouvido alheio,
Tipo assim,
Sempre chega sorrateiro,
E ofusca conselho verdadeiro.

Para essa conquista,
É batalha a perder de vista.
Leva mais tempo,
Do que uma vida inteira.
Muitas vezes a do pai já acabou,
E a batalha continua.
E só depois,
Muito tempo depois,
Aquilo que você semeou,
Finalmente brotou.

Parece whiskie velho em barril de carvalho,
No glamour de um porão inglês,
Ou no aconchego de uma adega de escocês.
Quando filho resolve prova-lo,
Bate arrependimento fundo,
Mais fundo que o fundo do poço,
Com sarilho e sem corda.
‘Deveria ter provado antes,...
Agora bebo só sem meu companheiro.
Ai que dor de cabeça,
Ai que gosto amargo’.
Aquele porão nostálgico,
Vira calabouço medieval,
Bem escuro com teias e dragões,
Com correntes e escorpiões.

Enfim, por fim,
O filho ouve as palavras,
Ditas e esquecidas no fundo do baú,
Ao lado daquela poltrona solitária.
Ceras obstinadas finalmente derretem.
Ê teimosias adolescentes,
Que fazem ouvidos amadurecerem tarde!
Agora são apenas palavras de pai.
Naquela época seriam de amigo... pai-amigo.
Seriam palavras, ombro e abraço.
Era kit completo.
‘Porque fui dar ouvido ao meu ouvido’?
Ô ouvido surdo!
Se o pai pudesse ver e ouvir,
Lá do meio do pó,
Ele se debateria e se agitaria,
(seria poeira pra todo lado),
E com alegria diria:
‘Conquistei meu filho’.
Se o final for assim,
Aí é história com final feliz, enfim.
Igual romance de Shakespeare.
                                     Junho 2011

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Produto interno

Achamos que somos inocentes.
Defendemos nossa própria causa,
E nos absolvemos,
Mas somos homicidas.
Nossos olhares são armas.
Poder de nossa língua é de longo alcance.
E alvejam, e fuzilam,
À queima roupa,
Ou pela retaguarda.

Quando questionados,
Quando acusados,
Não relutamos,
Não nos enlutamos,
E nos desviamos,
E nos desvencilhamos,
E nos poupamos,
E afirmamos:
Sou inocente!

Munição nunca falta,
Vem de dentro.
  É produção interna.
Produto interno bruto!
Somos verdadeiros terroristas,
Material bélico é o próprio corpo.
Destruímos vidas,
E permanecemos livres,
Infiltrados no meio de tantos.

Passamos despercebidos, pensamos.
Pobres humanos!
Mas há esperança.
Para nossa segurança,
Somos observados e cuidados,
Igual criança.
É tecnologia antiga,
Ao mesmo tempo moderna.
Sorria... ou chore,
Você está sendo filmado.
                                          Junho 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Copos e garrafas

Uma garrafa tem estilo.
É alta e corpo esguio.
Cabeça aberta para a vida.
Olha sempre para cima.
Tem aparência de esnobe.
Parece não gostar de pobre.
Boca pequena e charmosa,
Igual a uma dama.
Pensa que chega e abafa.
Garrafa parece uma girafa.
Garota de conteúdo.
Muitas vezes envelhecido,
E enriquecido.
Não importa!
Líquido vai para o gargalo.
Passa um aperto!
Parece que estrangula.
Ô fase difícil!
Isso é preciso.
Mas não passa disso.
A garrafa quer é servir!
Por isso passa por tudo isso.

Servir quem?
Sujeitinho baixo de bordas grossas.
Às vezes barato e sujo.
Gordinho... nada contra!
Mas é dependente da garrafa.
Sem ela vive sem conteúdo.
É um boca aberta!
Mas o líquido cai lá dentro,
Se ajeita e se deleita.
O copo se aproveita,
E a garrafa olha satisfeita.
Seu produto rodopia pra lá e pra cá.
Gira igual dança de salão.
Junto com o gelo é uma coisa só.
Que bela mistura!
A união faz a dose...
Garrafa olha para baixo,
(Que vontade de se curvar!),
E pensa lá com seus rótulos:
‘Valeu todo aquele engarrafamento’.
E o baixinho, até que simpático,
Com suas bordas agradecidas,
Quase que se trincando se orgulho,
Todo cheio de conteúdo,
Se sentindo de cristal puro,
De ‘bolachinha’ úmida e tudo,
(Só falta MPB ao fundo),
Sóbrio, olha para o alto,
Voz embargada e molhada:
'Obrigado, dona garrafa.'
Copo e garrafa...
Romance pra dar certo,
Em casa ou no boteco,
Na mesa ou na bandeja.
Agora sim,
O copo, às vezes todo suado,
Está pronto pra mostrar trabalho.
Também vai servir,
Não importa quem vir.

A garrafa, outrora orgulhosa,
Agora se deita, satisfeita,
Talvez em algum engradado sujo,
E medita no trabalho duro.
Gelo bate forte no peito.
Pela sua borda se vê,
Uma gota escorrida na face.
O copo espera revê-la,
Pelos bares e mesas da vida.
De repente uma voz fala:
‘Garçom, traz a garrafa.’
Só falta tocar Milton...
                                      Junho 2011

Filme criança

Faz uma cobrinha?
A faquinha rodeava a laranja,
E formava a cobrinha amarelada.
O sumo respingava,
E meus olhos observavam.
A casca balançava,
E em cobrinha se transformava.
O fruto não me interessava.
Das mãos de meu pai,
A cobrinha cor de mel,
Era o meu troféu.

Faz um poçinho?
Minha mãe era artista.
Da laranja a casca saía,
Mas de tampa ou de gomo eu não queria,
E minha mãe me ouvia e atendia.
A faquinha fincava o topo,
Rodeava e fazia um poço.
Eu olhava e observava,
E o resultado me maravilhava.
A laranja ganhava um buraquinho,
Esse era meu poçinho.
Para mim, o suco saia mais docinho.

Minha irmã tinha nas mãos,
Meu caderno da escola.
Era lição de casa,
E ela ‘tomava’ a tabuada.
Uma vez três,
Duas vezes seis,
Brincando eu respondia.
Às vezes errava,
Às vezes acertava.
Mas o que importava,
Era que minha irmã,
Igual professora me ensinava.

Meu irmão tinha a caneta mágica.
Com paciência ele desenhava,
Eu com orgulho carregava,
No peito a marca superman estampada.
A toalha era a capa,
E assim me transformava:
Eu era o superman,
E ele o super irmão.

Tudo isso está gravado.
Meu pai e minha mãe,
Minha irmã e meu irmão,
São personagens principais,
De um filme que não volta mais.

Hoje eu cresci,
E meus filmes são de adulto.
Às vezes preto e branco,
Às vezes colorido.
Muitas vezes eu penso,
E gostaria, por um segundo,
Fechar os olhos por um minuto,
(Minuto de criança, lógico),
Ter uma hora só pra mim,
Imaginar e conseguir,
Da laranja poder extrair,
Algo mais do que um suco.
Poder ser um herói,
Voar e ter poder igual ao superboy,
Não para salvar vidas,
De guerras ou de guerrilhas.
Querer e poder aprender,
Simplesmente por prazer.
Dinheiro? Só pra comprar e comer glacê.
Isso é filme de criança.
Por pior cor que tenha,
Criança que vive e pensa como criança,
Sempre faz filme ter graça e ser colorido.
Por isso o conselho foi dito:
‘Venham a mim as criancinhas... ’
                                       Junho 2011

Pedreiro

Ele joga a massa,
E a parede colabora.
Parede se veste,
E se reveste da roupa nova.
Ela diz e só ele ouve:
Obrigado pedreiro, meu parceiro.
É tijolo sobre tijolo.
Pedreiro tem boa cabeça.
Ele monta um verdadeiro quebra-cabeça.
Que dor de cabeça!
Usa prumo e nível,
Mangueira com água e a colher.
É capricho de artista,
É Michelangelo de mão rachada,
É Aleijadinho de mãos abençoadas.
São artistas anônimos em nosso meio.
São pernambucanos e mineiros.
São paraibanos e até estrangeiros.
Usam a régua igual arquiteto.
Como o professor usam lápis com esmero.
Igual cozinheiro,
Preparam a massa com asseio.
Igual costureiro,
Usam a linha o dia inteiro.
Requadro, esquadro, trabalho retocado.
Fundação e acabamento,
Elétrica e encanamento.
São verdadeiros profissionais acadêmicos,
E erguem casas, prédios e apartamentos.
Depois de prontas, observam de longe,
Seu sangue e suor,
Misturados àquela massa seca,
E ao concreto já duro.
Filho diz com orgulho:
‘Meu pai ergueu isso tudo’.
Pessoas passam e vão,
E pouco valor lhes dão.
Vão e vem e olham com desdém.
Admiram a arte e não o artista.
Artista se entristece,
E seu coração se parte.
Corações do povo seriam úteis,
E melhor utilizados,
Se com britas misturados,
E se fossem concretados,
Em bases de arranha-céus estruturados.
Que dureza!
 Isso dói fundo!
E os pedreiros seguem trabalhando duro,
Aguardando o futuro,
Quando não mais erguerão muros.
Suas casas serão suas casas.
E todos terão suas próprias moradas.
O maior Construtor é quem diz essas palavras.
                                            Junho 2011

Criar filho

Ser pai é um desafio.
Como criar filho neste mundo hostil?
Talvez segurar filho igual mola.
Problema é quando ela se solta,
Pula pra lá e pra cá igual bola,
Muitas vezes nem volta.
Se voltar é com revolta.
Soltar filho igual pipa,
Liberdade lá em riba.
Aí vem cerol e apara sua linha,
E leva pipa para alguma vila vizinha.
E se criar filho com bom e do melhor?
O pai derrama seu suor,
E filho retribui com seu pior.
Ou lidar com filho igual carne.
Bater bastante até amolecer.
Você acaba por esmorecer,
E ele cresce sem sabor ter.
Pra você sobra um osso duro de roer.

Bom é quando pai paga as noitadas.
Eh, época boa de baladas!
Aí chega época que ele não é mais criança,
E o delegado chama o pai pra pagar fiança.
Que dor de cabeça!
Antes era pizzaria,
Agora é drogaria.
Pai vive gastando com aspirina.
Droga e balada tem parceria.
Aí quem procura o pai é o dono da ‘drogaria’.
Visita assim ninguém gostaria.

Arte é saber dizer não,
E não se importar com reclamação.
Igual conta-gotas o ‘sim’ vai saindo.
É homeopatia que filho vai engolindo.
Quando adulto o filho vai ver,
Aí é hora de reconhecer,
Que valeu a pena obedecer.
O pai vai estar com avançada idade.
Seus cabelos embranquecer,
E poderá envelhecer com dignidade.
                              Junho 2011