quarta-feira, 16 de março de 2016

Buracos

Vi um buraco
Estatelado na rua
Estirado na avenida
Atrapalhando a travessia
Todo mundo evita
Todo mundo desvia
Todo mundo se esguia
Todo mundo quer tirar fotografia
E reclamar na repartição pública

Vi um buraco
Estampado num pedaço de pano
Todo mundo desfila
Todo mundo mostra na camisa
Todo mundo expõe na calça comprida
O rasgado desleixado é da hora
Mas o buraco não é moda
Em gente que mora na avenida
Em gente rasgada pela vida

Tem muito buraco
No peito de muita gente
Gente sofrida
Gente com alma ferida
Gente que se cala pra ser ouvida
Gente que grita pra não ser esquecida
É tanta gente assim
Que cabe num buraco
Do tamanho da Lua

Igual buraco de rua
Recapeado ou esburacado
O peito da gente continua
Suportando solavancos
Aos trancos e barrancos
Em mansões ou em barracos
Nas avenidas da vida
Em vidas espalhadas pelas avenidas

Quanto mais o buraco aumenta no peito
Mais a gente se conhece por dentro
Março 2016



quinta-feira, 3 de março de 2016

Facilidades nas dificuldades

As dificuldades
Estão por aí
Estão por ali
Então por onde ir?
Então por onde fugir?
Tem pra todos os bolsos
Tem pra todos os gostos
Tem pra todos os choros
Tem pra todos os lados

Dificuldade não é novidade
É atualidade
Fica forte com a fraqueza
Fica fraca com a franqueza
E morre diante da firmeza
Mas sempre volta e marca presença
Pois é nossa natureza

Ah, mas uns diriam
Alguns gemeriam
Muitos reclamariam
Ainda outros proclamariam
A dificuldade é uma pedra no sapato
Deixa o pé machucado
Dá cria e forma até calo
Mas o calo lá de dentro
Do sapato apertado
Dedura logo o recado:
Manda outro
Porque esse já tá superado!
Eu penso meio encabulado
Cá com meus cadarços arrochados:
É uma gigante
Esse tal do dedinho mindinho!
Deixa qualquer dedão no chinelo

Facilidade?
Eu suspeito
Dificuldade?
Cadê a minha por direito?

Com a dificuldade
Tem que ser olho no olho
Tem que ser cara a cara
Encarar igual propaganda de banco
Todo mundo brinca e ri
Diante de adversidades e dificuldades
E tudo fica fácil
E basta um crédito rápido
Do gerente pra gente
Aí é só rir e bulir
Na cara da dificuldade
É tão fácil e tão sem noção
Quanto olhar pra televisão
Em pleno anoitecer
E dizer:
Boa noite, TV!
Março 2016