quarta-feira, 8 de julho de 2015

O astronauta que tinha medo de escuro

O kamikaze
Que tinha medo de altura
E nunca tentava de novo nem voltava à luta
O desempregado
Que tinha medo de jornal
Lia os classificados e passava mal
O torcedor
Que tinha medo de alemão
E não foi ver a seleção
O político
Que não suportava moedas miúdas
E preferia as notas graúdas
O arroz e feijão
Que tinham alergia a pobre
E preferiram a panela do nobre
O sol
Que tinha medo de escuro
Dava 6:30 e já terminava seu turno
O botão
Que tinha medo da vida solitária
E não ficava sozinho em casa
O tijolo
Que se sentia um tolo
E cansou de ficar em cima do muro o tempo todo
O muro
Que tá meio caído e não quer mais separar o mundo
E não sobrou tijolo sobre tijolo
(Tem gente que o procura, pois estão preocupados
Querem separar suas cidades e estados)
O café
Que era antissocial
E não se misturava com leite nem com sal
O relógio
Que tinha medo de andar pra frente
E olhava pra traz pra ver se tinha gente
O bueiro
Que fez redução de estômago
Pois passava mal com o lixo que lhe jogamos
A panela de feijão
Que pediu demissão
Pois não aguentava mais pressão
A pizza
Que tinha medo do forno
Porque tudo acabava nela e no bolso dos outros
O sapato
Que viviam pegando em seu pé
Ficou com medo e queria ser chinelo
Pra acabar com seu chulé
O palhaço
Que cansou de fazer graça
Largou o riso e foi usar terno e gravata
O bacio
Que não suportava mais viver na sujeira
Queria ser pano de prato, mas não conseguia
O telefone
Que cansou de saber da vida alheia
E perdeu a linha e as boas maneiras
A lama
Que vivia um drama
Mudou de vida pra melhorar sua fama
O azar
Que se achava sem sorte
E foi viver ao acaso
Porque era mais sensato
O radio relógio
Que entrou em crise de existência
Perdia a hora todo dia nem dava mais notícia

Minha caneta
Que depois de tudo isso
Tá desanimada com a tinta
Mas vai continuar com a escrita
Apesar de ter os pés na terra

O astronauta
Que tinha medo de escuro
E não queríamos mais voltar pro mundo
Julho 2015

... e não queríamos mais voltar pro mundo

2 comentários:

  1. Meu amigo poeta continua com inspiração a todo o vapor. Abraços

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    1. Oi Lídia.
      Obrigado pelo comentário e por ter gostado.
      Abraços.

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